#37: Como, logo escrevo
A magia que se esconde no cotidiano; um lugar gostoso demais; restaurante imperdível em Portugal; novo wine bar em Pinheiros; 4 pastas maravilhosas
Pequenas magias da vida adulta
“É curtinho o tempo que a gente está aqui, para tanta a coisa. Todos os dias, mesmo quando eu estou com os olhos fechados, a cabeça fechada, o coração fechado, há alguma coisa que me aparece e me espanta. Que me diz, opa, há a luz entrar numa esquina, numa casa, o cabelo de alguém que ficou fora do lugar e isso foi lindo. Há sempre um acontecimento meio mágico…”
Matilde Campilho
A passagem do tempo é inevitável e atravessar os últimos dois meses não foi uma tarefa fácil, o que se assemelhou a um eterno teste de resistência ( seja físico ou mental). Deparei-me, enquanto passava o feed interminável do meu IG, com o trecho que repliquei acima, retirado de uma entrevista com a poeta portuguesa Matilde Campilho - aliás, recomendo profundamente a leitura de seus textos, repletos de beleza.
Passei dias, nesse hiato não planejado da news, numa busca incansável pela temática para a crônica habitual do início e, quando vi, tal frase me arrebatou. Apesar de muita coisa, a minha vida vem sendo, sim, povoada de acontecimentos mágicos. No último mês, dois bebês de melhores amigas nasceram e ressignificaram dias, até então, comuns. Peguei no colo, ainda na maternidade, o filho de uma delas e vou demorar para esquecer tal sensação.
Todas as manhãs na Le Cordon Bleu são repletas de algo mágico: é gratificante ver a melhora, perceber o aprendizado, reparar como estou com mais habilidade na cozinha - e ver que, quanto mais sei, menos sei, numa sede insaciável de saber mais. Perder o medo de temperar está entre uma das melhores coisas - finalmente a tal da intuição começa a florear de forma correta, como já falei sobre, no passado, por aqui.
Comi uma sobremesa de chocolate no novíssimo ARA, para o espanto de quem nem liga para doces, e senti certo encanto, que já não sentia há tempos. Fui a um casamento de uma amiga e celebrei muito aquele dia, com meus amigos de colégio. Estive em um jantar repleto de beleza, promovido pela Don Melchor no Palácio Tangará, numa mesa das mais lindas que eu já sentei, lotada de velas e, de quebra, fiquei hipnotizada com um serviço de vinhos que mais parecia um balé.
Voltei a Portugal, comi muito bem e tive uma das melhores refeições da minha vida - falarei mais sobre tal restaurante num próximo tópico. Me apaixonei mais uma vez por Lisboa, cidade que tem a luz mais bonita que já vi. Fiz uma loucura e apareci de surpresa na casa da minha irmã, que não mora no Brasil, para comemorar com ela o seu aniversário. Vi três melhores amigas, que são trigêmeas, casarem juntas na igreja. Comecei a estagiar na cozinha. Me desafiei, presenciei encontros, me aproximei de gente boa, me reaproximei de gente que já não estava na minha vida há um tempo.
Sim, Matilde, você mais uma vez tem razão. Há sempre um acontecimento meio mágico.
Novidade boa
Até hoje, todos os meus pedidos do La Cura, rotisserie do Ivan Santinho, foram muito satisfatórios. Já vi muita gente celebrar os pratos mais conhecidos, como o picadinho, a moqueca, a feijoada e até mesmo a sua granola. É tudo bem-feito, bem embalado e bonito, daquelas comidas que dão gosto de comer e pedir.
Surgiu, então, uma extensão de seu primeiro negócio: o Baixo Gastronômico, espaço de bom gosto ímpar (móveis garimpados, luz natural, mesona e um banheiro dos mais lindos que já vi), bem ao lado do já existente La Cura. Um lugar para eventos, que abrirá esporadicamente ao público em momentos especiais. Não pretende ser e nem se trata de um restaurante, então não chegue lá achando que é só chegar.
Numa mesona compartilhada com amigos da área, comi um arroz fabuloso de pato e frutos do mar, com uma glace inesquecível, finalizado na cozinha de apoio, que brilha no centro do lugar. Antes dele, me perdoem a ansiedade para descrevê-lo, pasteizinhos e um vinagrete de polvo com tomatinhos amarelos e vermelhos. Para finalizar, uma releitura de romeu e julieta.
Fome de escrever
Para quem vive escrevendo sobre tudo, é frustrante não conseguir finalizar textos. E é justamente assim que me sinto nos últimos tempos. Mas, após um jantar inesquecível em Matosinhos, cidade ao lado do Porto, em Portugal, os meus dedos digitaram na madrugada mesmo, antes mesmo da digestão acontecer, parte do que senti aquele dia. Agora, após uma edição necessária, publico por aqui:
“A vida é muito engraçada. Em 2022 fiz uma busca de restaurantes clássicos de Portugal, principalmente localizados em Lisboa, mas foi impossível ignorar matérias que falavam de instituições do país inteiro. Li com olhos atentos e fiz uma seleção de onde gostaria de ir. Deixei essa lista adormecida, apesar de ter ticado um bom número de estabelecimentos, principalmente os localizados em Lisboa e no Alentejo.
Quando fui convidada pela Caxamar para uma viagem de imersão em seu bacalhau, não imaginava que dois lugares da minha lista estariam no roteiro. Hoje, uma terça-feira “comum”, comi nos dois. Mas, agora que substituo a madrugada de sono por uma vontade súbita de escrever, falarei do meu “muso” inspirador: O Gaveto. Alguns fatos impressionam, mas caso tudo não fosse gostoso demais, não se sustentariam. São 40 anos de casa, sempre com o mesmo cozinheiro, Humberto Alonso. É um negócio familiar, atualmente sob os cuidados dos irmãos João e José Silva.
É importante dizer que o restaurante fecha às terças e os únicos presentes, numa mesona montada no segundo andar, fomos nós, o grupo de brasileiros; nossos anfitriões; o cozinheiro e os proprietários. A sequência arrebatadora começou com presunto de porco preto e pão. Depois, ouriços e percebes. Tudo fresco, pescado nas proximidades. Almêijoas à Bulhão Pato, a melhor versão que já experimentei, com caldinho perfeito para chuchar o pão. O fiz, sem dó. O melhor bacalhau da minha vida chegou em um carrinho de serviço no meio do salão, numa travessona de alumínio, sem afetação. Disposto nela, lombos altíssimos, como nunca tinha visto, nem muito menos, comido. Trunfo da Caxamar. Junto, tomates, batatas e muito azeite. Servido no prato, junto a grelos, hortaliça que eu adoro e não se encontra no Brasil. Foi de emocionar. O ponto translúcido, habilidade que possivelmente só se conquista com 40 anos na mesma cozinha. Trunfo do chef. Uma torta de amêndoas impossível de parar de comer, ditou, até então, o fim da refeição.
Desci a escada e me senti numa barra na Espanha ou até mesmo num bar clássico do Rio de Janeiro. Brindamos mais uma vez, dessa vez com um fino – a versão portuguesa do chopp. Vi os aquários repletos de lavagantes, que ficam ali, esperando a sua hora trágica (lembro da forma certa de matá-las e me dá certo desespero) e, apesar de tarde, é triste ir embora”.
Um novo bar de vinhos
Na conhecida Rua dos Pinheiros, no andar superior do restaurante Incêndio, inaugurou, no último mês, o Saída de Emergência. O bar de vinhos é comandado pelo Guilherme Mora, um verdadeiro apaixonado pela bebida e universo da gastronomia, que fez de sua paixão, uma nova forma de atuação. Na primeira e única visita, no sábado passado, experimentei alguns rótulos em taça, como o gostosíssimo Pequenos Rebentos Nat Cool e o italiano branco Gigi, que já conhecia e adoro.
O salão é preenchido com vários lounges com sofás e poltronas, mas também estão disponíveis algumas mesas. O menu tem opções de pequenos pratos e até carnes, com um hambúrguer bem recomendado. Na noite gelada de sábado, foi muito bom conhecer o novo bar e aprender tanto. Obrigada, Gui. Ah, uma coisa legal: o bar é pet friendly!
Pasta e basta
A temperatura caiu e a vontade de comer massa só aumenta - contrária a minha intenção de fazer dieta. Segue, na sequência, quatro pratos que comi recentemente e simplesmente, AMEI:
Spaghetti al sugo di pomodoro, do Shihoma Deli
Spaghettini di Nero e Bottarga, do Skye (Hotel Unique)
Agnolotti de pato, do Palácio Tangará (no jantar da Don Melchor)
Spaghetti Sarnambi, do German Sitz (no jantar de aniversário do Cozinha 212)
"Para quem vive escrevendo sobre tudo, é frustrante não conseguir finalizar textos"... Giu, te entendo!
Ps: quero conhecer o Shihoma Deli e com certeza vou seguir sua dica de pasta!
Giuli, seus textos estão cada dia mais "deliciosos", logo vou precisar de babador...
Muito obrigado.