#41: Como, logo escrevo
Na calada; 2 menus do mar; o "templo" dos produtos; num mercado, comida ótima; tapas espanholas e asiáticas; 4 restaurantes para ir antes de 2025; crônicas impressas, na sua casa
Muitos silêncios
Há algumas semanas me acomodei, sem sapatos (sempre), no tatame do Kinoshita, japonês paulistano, a única embaixada da Krug no Brasil. O jantar em torno do omakase, criado especialmente para harmonizar com os champagnes da maison, foi, além de repleto de conversas significativas, em alguns momentos, bem silencioso. E o que o silêncio à mesa, quando estamos em mais de 10 pessoas, quer dizer?
Muita coisa. Em sua maioria, prefiro acreditar, que é a falta de palavras que caibam para descrever o que foi colocado em nossa frente, com o intuito de observar para, então, comer. Mastigar, eu espero, que seja de forma silenciosa e de bocas bem fechadas e, na sequência, pensar, mesmo que brevemente, sobre aquilo. O silêncio pode seguir caso a vontade seja de abocanhar mais uma vez o prato, ou, nesse caso, causado também pela ótima harmonização proposta. Aquela coisa viciante, de salivar e querer mais.
Foi bem no momento em que uma alcachofra cozida num dashi chegou à mesa, pronta para ser desfolhada, pareada com a Grand Cuvée 172eme edition, que o silêncio reinou por minutos, antes de ser interrompido por uma frase óbvia: “se estamos todos quietos, é porque é bom”.
Anotei a minha percepção no meu bloco de notas e de forma inédita compartilho aqui, sem edições: “A alcachofra perdeu toda a sua força, que eu amo, aquele sabor meio persistente na boca, que também ano, e tornou-se mais equilibrada, devido ao cozimento no dashi. Perde, doa, recebe de volta o sabor no caldo e, assim, ganha umami”.
Na minha visão, a melhor forma de comer quieta [não entendam a minha frase de forma maliciosa] é comer sozinha. Para além do básico da educação, fundamental com quem está te atendendo no restaurante, não é necessário falar muito. É possível ficar sentado, junto a seu caderninho, ou sem caderninho, só pensando na vida ou naquilo que se come. Ir para um bar sozinho é bem diferente: ninguém senta num balcão, sozinho, se não quiser um blá-blá qualquer, aprender algo, paquerar [isso ainda existe em 2024?] ou chorar umas pitangas. Beber em silêncio é quase que sinônimo de beber em casa.
Pessoalmente, sou a maior fã dos silêncios, seja sozinha, seja acompanhada. Falar por falar, para evitar constrangimentos, nunca é a melhor opção. O silêncio é algo muito íntimo, que só conseguimos ter com quem nos conectamos, gostamos e/ou amamos. Tenho uma grande amiga, que posso viajar por dias, a gente pode ficar horas, cada uma em seu canto, sem trocar nenhuma palavra. Nada muda. Amo estar diariamente, em silêncio, com a minha cachorra em casa - apesar de falar com ela algumas vezes, infelizmente sem resposta, é claro. Em família, o silêncio também é bom. É meio aquilo: eles sabem que eu estou aqui, mas não preciso mostrar desesperadamente que estou por meio de palavras, o tempo inteiro.
A medida para eu perceber, muitas vezes, se estou em paz com alguém, é proporcional ao quanto fico confortável sem trocar palavras ao lado ou distante daquela pessoa. Sem aqueles pensamentos, tantas vezes inevitáveis, do tipo: “está quieto há muito tempo”; “será que tem algo de errado”. Se a quietude do outro te deixa inquieto, pode acreditar que aí tem. E esse algo não é bom. Todo relacionamento em que eu já estive, em que o silêncio se comparava a um barulho de mais de 80 decibéis (o que prejudica a nossa audição), tinha algo de muito errado.
Paz grande é ficar em silêncio sozinha ou acompanhada. Digerir a comida para depois falar. No meu caso, escrever. É isso que precisei fazer, uma pausa necessária, não planejada, para repensar quais palavras escreveria aqui, sobre o que escreveria nos próximos meses. Estou prestes a viajar por um período, e uma viagem sempre nos oxigena. Quero algo mais palpável, palatável e, talvez, mais profundo. Dar um jeito de transformar isso para além do Substack - quem sabe num livro, quem sabe em jantares, quem sabe em algo que hoje eu nem sei o que é?
Uma coisa que já me veio à cabeça está no fim da news - e caso você goste, pode participar.
Pérolas do mar
Sou apaixonada por peixes e frutos do mar. E tem gente que trabalha perfeitamente com esses produtos. Hoje, passo para relembrar - e exaltar - dois jantares surpreendentes. Os cinco anos do Cais e a mesa do chef, no Le Bulô.
A mesa do chef é uma ótima opção para temporada de festas/confraternizações. É necessário reservar e o menu é sempre surpresa, com o que há de melhor no dia. Óbvio que restrições são respeitadas.
Já no Cais, toda vez que como lá, saio mais feliz - e veja bem, isso acontece há meia década. Vê-los comemorando 5 anos, fazendo o que sempre acreditaram, foi muito especial. Torcendo para manterem o jerez martini de pitanga, desenvolvido pela Nina Bastos; o crudo de carapau com cajuína fermentada; e o lagostim, curry verde e tucupi no menu. Mas, enquanto não estão lá - ou já estão e eu estou desatualizada - é possível aproveitar o menu existente, que não perde em nada para esses pratos que supliquei acima.
Os adultos amam
Alguns irão me entender perfeitamente: ir à Casa Santa Luzia é maravilhoso, se estiver podendo “torrar”, melhor ainda. O mercado que tem de tudo um pouco, com os produtos perfeitamente dispostos em corredores bem sinalizados e arrumados. Um prazer enorme percorrê-los com carrinho, sem pressa, olhando e encontrando tudo, mesmo sendo algo bem específico.
Já falei algumas vezes no meu IG, mas a enorme prateleira de massas é maravilhosa - aliás, um parêntese: vocês gostariam de um conteúdo sobre massa grano duro, como diferenciar as boas das ruins e coisas do tipo? Se sim, comentem, porque venho estudando isso e posso, de certa forma, transmitir o que sei/pesquisei/aprendi.
Por coincidência, fui levada a Casa Santa Luzia algumas vezes, no último mês. Numa delas, fui convidada a provar os pratos do Natal 2024. Até agora estou pensando no pappardelle recheado de ragú de pato com molho roti, que pode ser encomendado na rotisserie. Entre os doces, a dacquoise de pistache com curd de berries é ótima: vistosa e, para a minha felicidade, pouco doce.
Comida boa
Fui apresentada a Banca 06 Kinjo, semanas atrás, num almoço. Trata-se de um “box” situado no Mercado Kinjo Yamato, inaugurado em 1936, no período, focado em hortifruti, com nome que homenageia o primeiro imigrante japonês que se formou em Odontologia. Fica localizado bem ao lado do Mercado Municipal de São Paulo - local que povoa mais as minhas lembranças de infância, por ter ido algumas vezes com o meu avó materno, Durval.
Mas voltando a Banca 06, que tem no comando o Luiz Campiglia, cozinheiro que ficou anos a frente do extinto Pari Bar. A proposta é ser totalmente informal, com pratos que mudam conforme a disponibilidade dos ingredientes - adquiridos no próprio mercado.
Acho que dei muita sorte no dia em que estive lá: é meio mágico quando as opções propostas casam com o nosso gosto pessoal. Comi um carapau num caldo bem saboroso, que trazia até tahine, acompanhado por um dos melhores feijões brancos da minha vida (com umas cebolonas que deram uma textura boa), arroz branco e uma pequena porção de tofu com maxixe de acompanhamento.
Espanha e Ásia meets
Estive recentemente no Barkatu, restô bar bem charmoso, na Rua Carla, Itaim, para conhecer uma proposta que eu nunca tinha visto, até então: tapas espanholas e asiáticas, com uma carta de coquetéis enxuta, variedade de saquês e cervejas.
O lugar tem poucos lugares, luz baixa e é bem aconchegante. Pode ser bom para date. Entre os pratos, ideais para dividir, amei o kokoda de atum, que é um crudo super bem temperado (o da foto); e o camarão XG com salada de papaya. Dá vontade de voltar.
Antes que o ano acabe
Algumas aberturas/reaberturas de 2024 que amei conhecer - e que recomendo uma visita ainda neste ano:
Clandestina
Mesa 3
CEPA
Tau
Cartas - para quem quiser
Sou fã de escrever cartas e as entrego com certa frequência. Acho que isso marca muito bem celebrações ou, até mesmo, dias cotidianos que se tornam especiais.
Tive, então, uma ideia - que até posso me arrepender, mas irei tentar. Enviar cartas impressas para quem quiser, que terão uma crônica surpresa e inédita. A temática será comida, festas, mas não de uma forma tão óbvia. Pode ser que eu narre algo que de fato aconteceu, ou minta. Pode conter receitas, ou até mesmo, não falar diretamente de comida. Adoraria escrever várias histórias, até pensando no destinatário, mas pelo tempo escasso, acredito que serão umas três crônicas.
Irei enviá-las entre final de novembro e comecinho de dezembro, bem old-school, via Correios. Criei um e-mail somente para os pedidos de cartas, porque se isso for para o meu e-mail pessoal, irei me perder. Terá um custo de R$ 10, por envio, para cobrir os custos de postagem e papelaria. É um valor simbólico - e caso “sobre”, vou reverter em doação.
Para receber a sua carta/crônica, mandar e-mail para: cartas.cronicas@gmail.com
Aguardo vocês, por lá, onde compartilharei os detalhes.