#32: Como, logo escrevo
Assei um bolo e chorei litros; eu já fui, mas em breve eu volto; novos italianos; eu nem fui, mas quero ir; amor repleto de sal; os botecos preferidos (dos outros)
A saudade tem gosto de bolo
Escrevo esse texto ainda quente e, quando digo “quente”, é ainda sentindo e nem perto de digerir o que foi despertado há uma semana, quanto tive uma aula na Le Cordon Bleu, justamente com um dos pratos mais icônicos da minha avó materna, o rocambole, só que em sua versão francesa, o biscuit roulé.
Muitos já comentaram comigo sobre o texto Alguns compromissos são inadiáveis - leia aqui - publicado no último ano, em que narrava o meu cotidiano com a minha avó paterna, e em algumas vezes, até perguntaram sobre a minha avó materna. Bom, a resposta chegou inesperadamente em forma de receita, extrapolou as quatro horas de aula e agora está bem aqui, num texto que flui pelos dedos sem muito esforço ou limites sobre o que nem eu sei o que é.
Arriscaria dizer que é saudades, numa nostalgia repleta de memórias vivíssimas e agora acesas da minha avó Beatriz, que faleceu em janeiro de 2023, após uma década com uma doença triste e complicada. Talvez, penso eu, a ausência de textos sobre ela seja justificada na falta de vivências simultâneas ao meu hábito de escrita.
Certamente, entre aquela sala de 12 alunos, só eu sei como foi ver a demonstração e sentir o olho marejar. A massa, enrolada delicadamente com o uso de papel manteiga, sem nenhuma rachadura ou quebra, foi um contraponto perfeito com a lembrança da minha avó. Ela, uma então avó jovem em sua cozinha, sentada na mesa redonda que ficava entre a pia e o fogão, com o seu pão de ló envolto num pano de prato estampado, enrolando e meio que rezando para não quebrar (por favor, não me entendam mal: ela era uma cozinheira de mão cheia, principalmente quando se tratava de “bolificação”).
E, quando quebrava, só ela mesmo ficava triste e recomeçava do zero, porque se tinha algo que não existia em seu vocabulário era a preguiça. Na certeza do não desperdício, o bolo quente e quebrado certamente ia direto para a barriga do meu avô e, por pura influência dele, de suas netas, no caso, eu e minha irmã.
Fiz todo o preparo muda, numa concentração para tudo dar certo, como se caso desse errado, eu estaria, literalmente, decepcionando alguém lá do céu. Um pedaço da massa colou no silpat, a borda ficou mais fina, quebrou bem no canto, e a geleia de framboesa e morango, bem… prefiro nem dizer o quão complicado foi peneirar para passar ao redor do bolo, num teste de paciência que no fim de tudo, me fez bem.
Sei que, na versão de Beatriz, o seu rocambole seria recheado com abundância de doce de leite e polvilhado com açúcar. Na minha versão francesa, na teoria, não pode escorrer recheio, tudo deve ser delicado e fino, leva geleia dentro e no topo, e é coroado com uma decoração de morangos e chantily - o que finalmente me levou aos bolos de morango que ela fazia, quadrados e gigantes, recheados de creme amarelinho entre as massas de pão de ló, morangos picados e cobertura de marshmallow. Tão bons, tão esquecidos até o momento em que cruzaram a minha mente e, agora, parecem querer viver aqui.
Espero que, com sorte, em breve me depare com mais uma receita que me faça voltar para ela, minha avó tão amada, e de certa forma, reviva sua memória de forma doce, como ela merece.
I’ll be dining here again
Embalada pela música I’ll be dining here again, do The Norwegian Fords, pensei em restaurantes que estive recentemente e, com toda certeza, eu irei pelo menos mais uma vez:
Italianos mil
Todo mundo sabe que São Paulo, historicamente, é repleta de bons restaurantes italianos, mas notei, nos últimos meses, aberturas - e reaberturas - dando o ar da graça com frequência além do normal (ainda bem).
A primeira de todas, que eu ainda não fui, é a Tappo Trattoria, muito bem descrita pela minha amiga Luciana Tezoto, a.k.a Boca Nervosa, nesse post. Outra, já mencionada na última news, é a Trattorita, com pizzas incríveis e massas ainda a serem degustadas. Outro que possui massas impecáveis é o Shihoma, que acrescentou recentemente um pici a carbonara em seu menu, e se prepara para abrir a sua deli, também na Vila Madalena - por enquanto dá para pedir pelo site, bem aqui.
Novidade muito bem aproveitada, foi um almoço longo em plena quarta-feira, na nova unidade da Braz Trattoria, na Rua dos Pinheiros. O tagliolini que acompanha o polpetone tem uma textura perfeita, servido na manteiga, provando que o simples funciona. O orecchiette com brócolis, feito na casa, me deu vontade de comer mais, além da cotoletta, com fritura perfeita e salada cítrica ao lado.
Agora, se você quer aprender a fazer sua própria massa, como eu, - o que não substitui essa infinidade de restaurantes maravilhosos e novos, bem aí para a gente aproveitar - recomendo prestar atenção na agenda de cursos da Joyce Bergamasco, bem aqui.
Comes e bebes que preciso comer e beber
A lista é de fato infinita, mas segue o ctrl c+ ctrl v do meu bloco de notas de restaurantes e bares que quero visitar:
Muli
Xuvva
São Luis 84
Komah Bakery
Krozta
Dentro Bar
Virado
Obcecação da vez: anchova
Salgadinha, sim; divisora de opiniões, também. Ame ou odeie. Proveniente do alici, que é uma espécie de peixe, após passar por um processo de conserva em salmoura (sendo muito simplista), a mágica acontece e se torna anchova. É um produto nada barato aqui no Brasil, afinal, não é uma espécie que temos em “águas” nacionais. Para meu azar, ou sorte, se tornou um dos meus ingredientes favoritos quando penso em incrementar algo com um “tchan” ou comer lindamente disposto num pão, seja sobre manteiga (minha forma favorita) ou sobre tomate.
Meu algoritmo me conhece bem e passou a sugerir diversos pratos e receitas com a anchovinha, como uma manteiga, que pretendo fazer, e também uma tostada com mozarela de búfala e folha de limão, além de outras. A melhor anchova da minha vida foi na La Barra de Cañabota, em Sevilha, servida numa torradinha fina de pão, acredito que brioche, com textura perfeita, macio por dentro e croc croc por fora, sobre a manteiga na temperatura certa, no meu julgamento. Um encontro perfeito entre uma anchova linda e a boa execução do restante, que mereceu repeteco.
Outra receita que amo é a piassaladière, que comi pela primeira vez em Paris, feita pela sogra da minha irmã. Trata-se de uma torta, parecida com uma pizza, coberta por cebolas caramelizadas, alici e azeitonas pretas. Eu improvisei uma com massa folhada, mas sigo no aguardo da receita oficial da parte francesa da minha família.
Aí, certa vez, me apresentaram a colatura de alici, que ando chamando de bálsamo dos Deuses. Ela vai bem em tudo quanto é massa - eu gosto de colocar para acentuar o sabor, e acho que é realmente a sua função. Numa pesquisa rápida, descobri que é feita a partir de uma técnica antiquíssima, originária dos pescadores da cidade de Cetara (Costa Amalfitana), e que, além de o alici passar pelo processo de extração do líquido, por prensa em caixas de madeira, ainda tem uma etapa de maturação, no sol.
Quando pensei que já estava viciada o suficiente, a Bia, chef à frente do Shihoma, disse que eles usam muito no restaurante, o que reafirmou o meu impulso em tacar isso quase em tudo, até num pão velho, bêbada, de madrugada. Agora, provavelmente, é melhor eu maneirar, respeitar a técnica milenar e não estragar, mais uma vez, algo que estou obcecada - como diriam alguns: muito amor sufoca.
Botecos amados
Outro dia, lancei uma pergunta no meu Instagram: “Qual é o seu boteco preferido?”, e recebi diversas respostas. Aqui estão elas, por ordem de recorrência:
Bar do Luiz Fernandes
São Cristóvão
Souza
Litt
Bar do Edu
Lanchonete Deck do Pescador (Santos)
Agora me conta, qual é o seu boteco preferido?
Obrigada por ler a news “Como, logo escrevo”, uma publicação independente e totalmente gratuita. Justamente por isso, o seu like e compartilhamento é fundamental, para chegar em mais pessoas e novos assinantes. Muito obrigada, Giulianna Iodice